Não há lugar para a apatia


“Sofre comigo como o bom soldado de Cristo Jesus” (2 Tm 2.3) 
1 e 2 Timóteo e Tito são cartas que chamamos de cartas pastorais, pois mesmo que contenham orientações pessoais a seus destinatários, elas foram escritas visando o benefício das igrejas associadas a eles, sendo a primeira uma epístola que enfatiza os deveres cristãos, como também a defesa e comunicação da sã doutrina. Já na segunda epístola, o apóstolo Paulo transmite encorajamento e conselhos ao jovem Timóteo, ansiando que este o encontre o quanto antes, tendo em vista o martírio que se aproxima.

Da primeira vez que foi preso, o apóstolo não deixou de pregar e encorajou a igreja a pregar também. Logo depois que foi solto, fez sua quarta viagem missionária, deixando Tito em Creta e Timóteo em Éfeso. Voltando a Roma, foi novamente preso e desta vez numa masmorra destinada a criminosos. Foi da prisão, prestes a ser morto, que Paulo escreveu sua última epístola a Timóteo.

Timóteo era de Listra e foi instruído desde cedo por sua mãe e avó nas Sagradas Escrituras, conheceu Paulo na primeira viagem missionária e tornou-se seu cooperador e “filho na fé”. Na primeira prisão ele estava com Paulo, mas agora Paulo pede que Timóteo o encontre depressa, pois em breve não terá mais seu pai na fé.  Uma breve divisão da epístola nos permite observar: 1- Encorajamento a Timóteo; 2- Orientações a Timóteo; 3- Instruções a respeito dos últimos dias e 4- Instruções finais. Podemos considerar o início do capítulo 2 até o v. 13 como um chamado à perseverança, Paulo inicia este trecho com uma expressão comum na segunda epístola: "Tu, porém". Considerando o sentido, ela evidencia uma ideia de adversidade e normalmente aparece antecedendo um conselho que recomenda agir e viver em função do Evangelho de Cristo, independentemente de perseguições, falsos ensinos, apostasias, sofrimentos e tantas outras adversidades, isto é, ser perseverante APESAR DE tudo.

O primeiro conselho depois dessa expressão é fortifica-te, e aqui não se trata de um auto fortalecimento, mas um fortalecimento na graça que há em Jesus Cristo. Lembremos do hino tão conhecido:

"A nossa força nada faz
Estamos, sim, perdidos
Mas nosso Deus socorro traz
E somos protegidos"

O nosso Deus é a verdadeira fonte de força, "Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio"( Pv 18.10). Quando nossa confiança está em Deus e nos fortalecemos nEle, estamos seguros. Porém, na sua própria força o homem perece.

Paulo continua orientando e aconselha: transmite o que ouvistes de mim a homens fiéis que também ensinem a outros. Não se deve apenas ouvir a boa nova do evangelho, mas também transmiti-la. Todo cristão tem a responsabilidade de anunciar o evangelho de Cristo. Jesus ordenou que fizéssemos discípulos de todas as nações (Mt 28.19), Paulo declara: “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!” (1 Co 9.16). O discípulo que ouve e entende a mensagem da cruz fará outros discípulos.

Sofrer também faz parte! Sofre comigo, insiste Paulo, contudo, não é o sofrimento em si que está sendo destacado aqui, mas o evangelho pelo qual se sofre. É necessário sofrer como bom soldado de Jesus, por algo maior que si mesmo. Não é verdade que a vida cristã será repleta de conforto e ausência de dores, antes “em relação a Cristo, vos foi concedido não somente crer nele, como também padecer por ele" (Fp 1.29). Na igreja primitiva, vemos os discípulos se alegrando por serem dignos de serem afrontados por causa de Jesus (Atos 5), e mais, todo o sofrimento enfrentado não era suficiente para deter o crescimento da igreja porque eles não paravam de ensinar e anunciar a Cristo todos os dias. Sem dúvida, as ameaças que enfrentamos não são tão diretas e físicas quanto no caso dos primeiros cristãos e de outros em diversas partes do mundo, porém, qual é nossa disposição para o sofrimento? Estamos dispostos a abrir mão do conforto, enfrentar os olhares tortos, o desprezo de alguns e a reprovação de outros por causa do Evangelho? Jesus foi enfático: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo" (Lc 9.23).

Fortifica-te em Cristo, transmite o evangelho e sofre por ele! Essas são as orientações iniciais seguidas por três analogias: o soldado, o atleta e o agricultor. O soldado não se envolve com assuntos da vida civil, pois objetiva agradar quem o alistou, seu comandante. Por causa disso, está disposto a arriscar sua própria vida, é obediente e fiel à sua missão. O atleta também é mencionado como exemplo de dedicação. Não há como competir e vencer sem manter uma frequência de treinamentos, ser disciplinado e cumprir o regulamento, para isso, o atleta deve se esforçar frequentemente e abrir mão do que atrapalha seu objetivo, daquilo que o impede de alcançar sua coroa.  Da mesma forma, o lavrador trabalha para poder desfrutar da colheita. O trabalho de quem tira o seu sustento da terra é sempre árduo e exige espera, pois nunca se colhe de imediato.

Isso significa que não há espaço para distrações quando se trata do Reino de Deus. Não estou querendo dizer que o soldado, o atleta ou o lavrador não podem ter uma família ou um patrimônio, por exemplo. Mas tudo o quanto fazem é regido pelo que eles são. A sua família, as suas ações, suas conquistas e qualquer coisa que obtenham giram em torno daquilo que eles decidiram ser, não se trata simplesmente de uma carreira, mas é uma forma de viver. De igual modo, não se pode ser cristão apenas nos tempos vagos ou quando for conveniente. Servir a Cristo é algo que toma toda sua vida, ser cristão é estar sempre de joelhos, mesmo envoltos em nossas mais diversas atividades, por isso Paulo enfatiza o soldado em serviço, o atleta que compete e o lavrador que trabalha. A vida cristã não é apática, cercada de negligências, mas sim uma vida ativa. Há alguém que gerencia, que rege todas as outras coisas, todas as nossas ações: é o próprio Cristo. Jesus não deve ser um apoio, um escape nos dias ruins, uma lembrança nos dias bons ou qualquer outra coisa de caráter periférico. Se Ele não for o centro, não será nada.                

Portanto, vemos que há um ponto em comum entre estas três figuras, elas buscam algo. Seja a vitória, a coroa ou a colheita. De igual modo, o cristão também não milita, corre ou semeia sem um objetivo. O trabalho do crente tem um fim e podemos estar seguros em Cristo de que "nossa tribulação leve e passageira produz para nós uma glória incomparável, de valor eterno" (2Co 4.17).

As instruções continuam e agora a ordem é para que o jovem medite no que o apóstolo está dizendo, pois Cristo o dará entendimento de todas as coisas. Medita, isto é, pense bem, analise, considere. Não temos desculpas de sermos jovens demais, imaturos demais ou ocupados demais, nossa disposição deve ser de aprender e entender o que Jesus quer para nossa vida. Ele mesmo nos dirá. Não menos importante é o conselho seguinte: Lembra-te de Jesus Cristo. O Cristo que conhecia cada um dos seus intimamente, que alimentou multidões, perdoou pecados, acolheu pecadores, acalmou tempestade, curou enfermos, levou sobre si a maldição que nos era devida, ressuscitou, o Cristo vitorioso, o Cristo Deus. Lembra-te que Ele não está no túmulo, lembra-te que a ressurreição é real! Este mesmo Cristo que é descendente de Davi, que dormiu num estábulo, precisou ser alimentado, que trabalhou com seu pai, teve fome, sede, chorou quando seu amigo morreu, o Cristo que se fez homem para buscar os homens. Lembra-te dEle!  É por este Jesus que Paulo encara o sofrimento, padece como um criminoso em Roma. A primeira parte do capítulo encerra com um trecho semelhante a um hino antigo que nos dá esperança: 

“Se morremos COM ELE, se sofremos por Cristo, também viveremos. Se perseveramos, com ele reinaremos. Herdamos o sofrimento, as aflições, mas também a glória de vivermos para sempre com Cristo.” 

Mas se o negarmos, ele nos negará, Paulo retoma as palavras de Jesus (Lc 12.9) e conclui com a afirmativa sobre o caráter de Deus: Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar a si mesmo. Deus permanece fiel, mesmo diante de nossas falhas e isso não é uma desculpa para a infidelidade ou para que nos tornemos apáticos. O fato de que o Senhor não muda, ainda diante da nossa corrupção só deve nos fazer ainda mais ansiar por Ele e ser como Ele!

Embora esta carta tenha sido escrita há muito tempo, ela é atemporal e da mesma forma que Paulo escreveu a Timóteo, Cristo nos orienta hoje a vivermos de uma forma que a nossa vida seja proveitosa. Jovem, cristão e ministro do Senhor, Timóteo não tinha uma responsabilidade pequena. Nós também não temos. Por isso, que venhamos atender ao chamado de Deus quando disser "Tu, porém", que aprendamos a viver com perseverança na direção contrária deste mundo. 

Se o soldado, o atleta e o lavrador se esforçam e trabalham por um objetivo que não é eterno, aprendamos com eles a buscar uma glória que não passa e não pode ser mensurada, tendo Cristo como o regente de nossas vidas, como Aquele a quem sujeitamos todas as coisas. Salomão, observador sábio, nos alerta: "Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade" (Ec 12.1). Lembra-te de Jesus Cristo!

Na obra “O Peregrino”, Bunyan expressa através do personagem “Boa vontade” um sentimento de reprovação em relação ao personagem “Vacilante”, que desistiu de caminhar pelo caminho estreito, ele diz:

“Ah! Pobre homem, ele tem a glória celestial em tão baixa estima, que não julga valer a pena correr o risco de enfrentar algumas dificuldades para alcançá-la?”¹

Assim, entendo que O Senhor nos diz constantemente: “Tu, porém... cumpre teu ministério”. Não cabe ao Cristão ter a glória celestial em baixa estima, tampouco desprezar o chamado de Deus e ignorar o nosso fim último: glorificá-lo. Não há lugar para a apatia no Reino de Deus.


Juliany Correia
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¹BUNYAN, John. O peregrino: com notas de estudo e ilustrações. 1 ed., 2 reimp. - São José dos Campos, SP: Fiel, 2015.

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