A suficiência de Cristo


Em Atos 1.8, Jesus diz a Seus discípulos para permanecerem em Jerusalém até que recebam poder do alto, de modo, a serem testemunhas dEle em Jerusalém, nas regiões da Judéia e Samaria e até os confins da terra.

No dia da festa de Pentecostes, a qual celebra a colheita dos campos, uma das sete festas anuais do calendário judaico, encontramos a igreja reunida em Jerusalém, conforme Jesus havia indicado, reunida em um cenáculo. O texto de Ato 2 é responsável por narrar o cumprimento do revestimento de poder que Jesus havia predito, revestimento esse que satisfaz a um desejo presente no Antigo Testamento por um derramar ainda mais liberal do Espírito Santo e cumpre uma profecia do profeta Joel.

É a partir do prisma do cumprimento da profecia do profeta Joel que o apóstolo Pedro expõe e interpreta o que estava em curso naquela circunstância. Em Jerusalém estavam reunidos prosélitos do judaísmo que vinham das mais diferentes regiões do mundo antigo, povos das mais diferentes línguas, e todos ouviam falar das maravilhas de Deus na própria língua porque o Espírito fazia a igreja naquele momento falar em tais línguas.

Deu-se início a um grande espalhar da fé cristã a partir de então, a igreja crescia enquanto as insígnias do ministério apostólico eram apresentadas através do ensino e da realização de prodígios. Com o aumento da igreja novos problemas apareceram e para resolução desses foi instituído um novo ofício, o ofício diaconal. Um dos diáconos eleitos ali foi Estevão, homem cheio do Espírito.

Estevão foi preso e levado ao Sinédrio, corte judaica que debaixo do poder de Roma julgava em Israel, a mesma corte pela qual Cristo passou entes da Sua crucificação. Estevão pregou e após isso foi apedrejado. O apedrejamento de Estevão marca em Atos 8.1 o início de uma perseguição que resulta no espalhar da igreja nas regiões da Judeia e Samaria, conforma Jesus havia predito em Atos 1.8. A perseguição é interpretada em Atos como um instrumento para o crescimento da igreja. Após o espalhar desencadeado pela perseguição um novo centro a fé cristã surgiu: Antioquia.

Em Atos 13 vemos, em Antioquia, o Espírito chamando Barnabé e Saulo à obra. Saulo que havia sido um terrível perseguidor agora era comissionado a pregar o Evangelho, então se deu início a primeira viagem missionária do apóstolo Paulo. Durante as três viagens missionárias do apóstolo Paulo Antioquia foi sua base missionária, lá foi o ponto de partida da primeira viagem e também o ponto de chegada.

Após realizar a primeira viagem missionária novos problemas surgiram, problemas que diziam respeito à entrada de gentios na igreja, antes disso alguns gentios haviam sido convertidos como Cornélio em Atos 10, mas a igreja, que era majoritariamente judaica, ainda não tinha se deparado com um volume de conversões entre os gentios tão expressivo como após a primeira viagem missionária de Paulo.

No início de Atos 15 é narrado que falsos mestres ensinavam a obrigatoriedade da circuncisão para os gentios convertidos. A circuncisão era um ritual judeu que marcava para os indivíduos de sexo masculino a entrada na Antiga Aliança. Paulo, dentro dessa polêmica, em um concílio realizado pelos apóstolos em Jerusalém, registrado no texto de Atos 15, defendeu que se isso fosse verdade a suficiência da obra de Cristo à salvação dos pecadores estaria anulada, a salvação não seria pela graça, mas por obra meramente humana e que Cristo teria morrido em vão. Para Paulo a fé cristã estava em risco.

As impressões do apóstolo Paulo sobre os episódios em torno do Concílio de Jerusalém são descritas por ele na sua carta aos Gálatas, que se 1ª Tessalonicences não for a primeira, Gálatas foi a primeira carta escrita por Paulo e não distante cronologicamente de Atos 15. A igreja da Galácia estava sendo atacada por falsos mestres que exigiam a circuncisão somada a fé em Cristo para salvação.

Em Gálatas 2, Paulo, inicialmente, diz que Tito não foi obrigado a circuncidar-se pelos apóstolos em Jerusalém, mostrando que não era ensino apostólico a obrigatoriedade da circuncisão e, posteriormente, passa a narrar os episódios que se seguiram ao concílio de Atos 15. Após esse concílio, Paulo se dirige a Antioquia para dar início a sua segunda viagem missionária, antes de partir acompanhado por Silas, há a chegada de Pedro em Antioquia.

Pedro comia com os gentios sem constrangimento até a chegada de irmãos vindo da parte de Tiago em Jerusalém, após isso Pedro se afastou dos cristãos gentios, muitos fizeram isso com ele, até mesmo Barnabé, o companheiro da primeira viagem de Paulo. O apóstolo Paulo ao ver tal atitude repreendeu a Pedro duramente porque se afastando dos gentios estava implicitamente negando a suficiência da obra de Cristo.

Para um leitor contemporâneo alguns questionamentos surgem: Como a prática da circuncisão ou Pedro não comer com gentios convertidos pode ser uma ameaça à suficiência de Cristo à salvação de pecadores? O que isso significa para mim hoje?

É importante destacar o que há por trás de exigir a circuncisão de gentios convertidos: está se exigindo que se obrigue os gentios a fazer algo temporário e importante dentro de um contexto fora do tempo e fora de tal contexto. Na Antiga Aliança a circuncisão era uma prática legítima à entrada no pacto com Deus (Gn 17.10), mas as práticas da Antiga Aliança, bem como ela mesma, anunciavam e apontavam à Nova Aliança, estabelecida com a vinda de Cristo, Sua morte e ressurreição (Hb 9.9-10). Dentro da Nova Aliança a circuncisão é feita no coração, não por mãos humanas e somente por Deus (Cl 1.11). Cobrar a circuncisão nos moldes da Antiga Aliança dentro da Nova seria, portanto, negar a suficiência dessa circuncisão feita por Deus unicamente no coração do pecador, seria negar a suficiência da obra realizada por Cristo.

Não sabemos exatamente o que os irmãos da parte de Tiago, que era líder em Jerusalém falaram a Pedro, sabemos apenas que após a chegada destes Pedro e muitos com ele se isolaram dos gentios. Pedro já havia sido instruído por revelação divina no episódio da casa de Cornélio em At 10 a ver os gentios como um povo que também era alvo da graça de Deus. Por meio do seu afastamento ele estava voltando à antiga divisão entre judeus e gentios, divisão essa desfeita por Cristo (Ef 2.11-19). Pedro através dessa atitude estava cedendo à pressão daqueles que queriam que os gentios se submetessem as práticas da Antiga Aliança. Paulo rebate a exigência da submissão dos gentios à Antiga Aliança, afirmando que a Justificação vem pela fé e não por obras da Lei, porque se vem por obras da Lei, não é somente por Cristo que somos salvos. (Gl 2.21)

Em nossos dias também somos desafiados a levantar a bandeira da suficiência de Cristo, somos salvos só por Cristo, unicamente por meio de nossa união com Ele. Assim como Paulo foi salvo, assim como os reformadores piedosos que defenderam o slogan “Solus Cristus” para sumarizar o ensino apostólico.

Não faz parte do debate contemporâneo a circuncisão ou comer com não judeus, todavia, a essência dessa controvérsia se demonstra toda vez que alguém oferece um caminho diferente de Cristo para chegar-se a Deus e ter a aprovação dEle. O que na essência dessa controvérsia é um coração rebelde e obstinado procurando forjar pra si formas de se auto justificar, não é mais do que Adão escondendo sua nudez. Não há caminho para a aprovação divina que não seja só por Cristo, não há outra forma de estar vestido com roupas de justiça diante de Deus que não seja só por Cristo, não há espiritualidade frutífera que não seja só por Cristo, não há como resistir ao dia mal que não seja só por Cristo. Que nós aprendamos a descansar e confiar só em Cristo.


Daniel Brito

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