A guerra que há em mim


Ultimamente tenho voltado a alguns escritos de John Owen. Este experimentado teólogo puritano tem se destacado quando o assunto é tentação e mortificação do pecado. Talvez ninguém tenha exposto com tanta profundidade o ensino bíblico dessas questões quanto Owen. O doutor J. I. Packer escreveu:

“Owen me perscrutou até às raízes de meu ser. Ensinou-me a natureza do pecado, a necessidade de lutar contra ele e o método para fazer isso. Mostrou-me a importância dos pensamentos do coração em minha vida espiritual. Deixou-me clara a verdadeira natureza do ministério do Espírito Santo no cristão, bem como a vitória da fé. Mostrou-me como compreender a mim mesmo como cristão e de que forma viver diante de Deus humilde e sinceramente, sem fingir ser o que não sou nem não ser o que sou. Comprovou cada argumento pela exegese bíblica direta, explicando as implicações experimentais dos textos didáticos e narrativos com precisão e profundidade tais que eu não encontrara antes e raras vezes vi igualadas depois.”1

Se você puder ter acesso aos escritos de Owen, não perca a oportunidade de aprender com ele sobre esses temas importantes, pois diz respeito àquela que é a nossa maior luta, a que ocorre dentro de nós, de maneira silenciosa, mas bastante violenta, do espírito contra a carne.

Os filhos de Deus têm duas naturezas, a adâmica, que é a nossa natureza caída com a qual nascemos, o Novo Testamento usa as expressões “velho homem” e “carne” para se referir a ela. A outra natureza é a que o Espírito Santo gera em nós no ato instantâneo da regeneração, a linguagem usada para essa nova natureza é “novo homem” e “espiritual”. Essas duas naturezas são antagônicas e estão continuamente em guerra entre si.

O apóstolo Paulo escreveu:

“...encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim. Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus; mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros.” (Romanos 7:21-23)

E também:

“...a carne deseja o que é contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. Eles estão em conflito um com o outro, de modo que vocês não fazem o que desejam.” (Gálatas 5:17)

Richard Sibbes diz:

“...quanto mais próximos os contrários estão um do outro, mais violento é o conflito entre eles. Ora, de todos os inimigos, o espírito e a carne são os que ficam mais pertos um do outro...”2

Agostinho, bispo de Hipona (354-430), no livro “Confissões”, expressa de modo comovente esse intenso conflito se manifestando na vontade humana:

“Quando pensava em me consagrar por inteiro ao Teu serviço, Deus meu, era eu quem queria fazê-lo, e eu quem não queria fazê-lo, era eu mesmo, e porque não queria de todo, nem de todo não queria, lutava comigo mesmo e me rasgava em pedaços.”3

Essa é a guerra travada dentro de nós e a Escritura nos instrui a mortificar a velha natureza, quando não fazemos isso, as obras da carne se evidenciam e nos tornamos fracas espiritualmente, pois:

“o vigor, o poder e a consolação de nossa vida espiritual dependem da mortificação dos atos da carne”1

O santo dever da mortificação precisa ser levado muito a sério, pois o pecado está sempre à espreita para nos assaltar, seu assédio é contínuo e pode ser crescente dependendo de como lidamos. Owen é cirúrgico nesse ponto:

“O pecado exerce sua influência, em maior ou menor grau, todos os dias [...] É sutil, por assim dizer, em seus primeiros movimentos e propostas, mas tendo, por esse meio, conseguindo acesso direto ao coração, avança firme e ganha mais terreno.”1

Não há trégua para essa batalha enquanto aqui vivermos. Todos os dias, essa é a grande luta das nossas vidas e o Senhor nos deu as armas para que possamos nos opor ao pecado. O Espírito Santo, que habita dentro de nós, estamos selados com Ele, e é d’Ele que vem todo o poder para vencermos a nossa carne, pois Ele é o nosso grande aliado nessa luta:

“Deixar de empregar diariamente o Espírito e nossa nova natureza para mortificar o pecado é negligenciar o socorro excelente que Deus providenciou contra nosso maior inimigo. Se não utilizarmos o que recebemos, Deus pode, com razão, refrear sua mão de nos conceder mais bênçãos. Sua graça e seus dons nos são entregues para que usemos, exercitemos e atuemos com eles. Não mortificar diariamente o pecado é pecar contra a bondade, a generosidade, a sabedoria, a graça e o amor de Deus, que nos ofereceu os meios de mortificá-lo.”1

Então, usemos as armas que o Senhor misericordiosamente nos dá. Essa é a guerra de todos os cristãos, é a tua também, mulher!


Sonaly Soares
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1John Owen – A mortificação do pecado
2Richard Sibbes – O caniço ferido
3Agostinho - Confissões - Liv. VIII; Cap. X

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