A força que brilha na fraqueza: lidando com a autocomiseração
No início de tudo que conhecemos
deste mundo, o Senhor Deus plantou um jardim perfeito e colocou nele o homem e
a mulher para que o cultivasse e guardasse, dando uma ordem expressa sobre o
único fruto que não deveriam comer. Mas, você já sabe, eles caíram. A queda
ocasionou uma verdadeira “quebra” em muitos aspectos. Em Gênesis 3, podemos
observar algumas dimensões afetadas pela queda: a dimensão teológica, que
consiste na ruptura com o próprio Deus (v. 8 - esconderam-se); a dimensão sociológica,
isto é, ruptura com o próximo (v. 12 - a
mulher que me deste); dimensão ecológica, que consiste na ruptura com a criação
(v.17 - maldita é a terra por sua causa). Além destas, houve uma ruptura na
dimensão psicológica, isto é, do homem consigo mesmo (v. 10 - tive medo, porque
estava nu). Tendo em vista este fato, trataremos de um problema que atravessa
muitas áreas da nossa vida em decorrência de como o pecado nos afetou em
diversos âmbitos: a autocomiseração.
Autopiedade, pena de si mesmo,
compaixão por si. A autocomiseração tem muitos nomes e é uma manifestação do
orgulho em nosso coração. Ela parece sacrificial, mas revela nossa busca por
reconhecimento em diversos níveis. Este mal nos acomete com frequência, mesmo
quando não nos damos conta. É a “resposta do orgulho ao sofrimento”, “a voz do
orgulho no coração fraco”. ¹ O pecado do orgulho pode nos envolver de formas
multifacetadas, não é à toa que C. S. Lewis o trata como “O grande pecado”. Já
pensou em como é difícil detectá-lo em seu próprio coração? A autocomiseração é
perigosa especialmente porque mascara o nosso orgulho.
“Não mereço isso”, “Eu mereço
admiração porque já sofri o bastante”, “Isso não pode estar acontecendo
comigo”, “Tudo poderia ser mais fácil”. Estas são algumas frases típicas da
autopiedade que às vezes proferimos e outras vezes pensamos. Falar sobre
autocomiseração não é tão simples, tendo em vista a sutilidade com que ela nos
afeta. Sua voz ecoa em nossa mente quando algo ruim acontece, quando não temos
nossas expectativas atendidas, quando o que planejamos precisa ser adiado ou
simplesmente se esfacela. “Esqueça qualquer fagulha de esperança, só te resta
sentar, chorar e reclamar!” – grita ela em tom paralisante. A autopiedade nos
faz esquecer da soberania de Deus e de suas bênçãos infinitas. Ela diz em alto
e bom som que a misericórdia dele é insuficiente.
As coisas não vão bem especialmente
para você, o passado possui uma força avassaladora em sua mente e você só
conhece injustiça e rejeição. Não é isso que ela te faz ver? A raiz de amargura
no coração ignora a graça de Deus. Não falo aqui de um sentimento de tristeza
ou de momentos em que lamentamos por algo, mas de um sentimento que acaricia o
nosso ego e nos coloca na posição de maior vítima que já existiu.
O que mina a autocomiseração não é
autoajuda, não são frases motivacionais do tipo “Pare de ter pena de si mesma e
dê a volta por cima”, não é a teologia fraca que produz vanglória, não é o fim
de todo sofrimento, tampouco a ausência de dias ruins. É satisfazer-se em Deus,
o prazer cristão destrói a autocomiseração:
“A busca pelo prazer cristão combate o orgulho porque coloca o homem na posição de vaso vazio debaixo da fonte de Deus [...] Os maiores sofredores por Cristo sempre desviaram o louvor e a pena por testemunharem sua alegria em Cristo.” ¹
É preciso esvaziar-se de si mesma
para satisfazer-se na fonte inesgotável. É preciso minar o “orgulho do
sofrimento” com a alegria de glorificar a Cristo mesmo por meio do sofrimento. Quando
as dores desta vida são vistas de uma perspectiva eterna, tudo muda. Entenda
que Deus usa o sofrimento para nos conformar à imagem de Cristo (Rm 8.28). O
fato de sofrermos, por si mesmo, não nos faz mais merecedores ou heróis. Não veja
o seu sofrimento como um atestado de que todos a sua volta são culpados ou como
pré-requisito obrigatório para ser honrada e admirada. Deus não nos deve nada
porque algumas coisas deram errado.
Sei que há situações difíceis de
entender, mas quando a autopiedade tentar entrar pelas brechas do seu coração
quebrado, exercite sua gratidão a Deus. Troque as suas reclamações por tudo que
não deu certo pela gratidão por inúmeras bênçãos que você já recebeu. Agradeça
continuamente ao Senhor por quem Ele é, por não ter recebido o que de fato você
merecia: condenação. Poder desfrutar da doce graça divina que nos faz viver
reitera o que a autocomiseração tenta negar:
“O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor.” Salmos 103.8
Além de ser rico em misericórdia,
Deus é soberano. Tenho certeza que você ouve isso com frequência e, de fato,
por termos uma natureza caída e inconstante, precisamos continuamente lembrar
desta e outras verdades a respeito de Deus. No tão conhecido Salmo 139, lemos
como o salmista reflete sobre quem Deus é, sua onipotência e onisciência. Ele
tem conhecimento completo de todas as coisas, de cada palavra, pensamento,
estado, das nossas ações e lugares que nos encontramos.
Ele nos vê como ninguém mais, ele enxerga
o que para nós é imperceptível. É notória a beleza de sua soberania, muito
elevada para a compreensão humana. Não há arrogância que se sustente diante de
sua grandiosidade. Não conhecemos perfeitamente nosso próprio coração, ele é
enganoso. Pisar em areia movediça pode parecer bom para quem tem uma percepção
limitada. Entretanto, não há limites na percepção divina, por causa disso,
podemos orar como o salmista:
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta algo que te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno.” Salmos 139.23-24
Admitir que não nos conhecemos
plenamente e que somos suscetíveis a trilhar por direções erradas é essencial
para lutar contra o orgulho e, consequentemente, contra a autocomiseração. Deus
não está alheio às nossas fragilidades, pelo contrário, paradoxalmente, quando
somos fracas é que somos fortes porque a força do Senhor brilha mais
reluzentemente em nós. As inquietações e vulnerabilidades desta vida apontam
para além do nosso fraco coração, elas nos fazem ver mais claramente o quanto é
forte, soberano e gracioso o nosso Pai.
Juliany Correia
¹ PIPER, John. Plena satisfação em
Deus: Deus glorificado e alma satisfeita. São José dos Campos, SP: Fiel, 2011.
Que texto Juliany! Não é fácil não sentirmos pena de nós mesmos, afinal de contas a autocomiseracao sussurra aos nossos ouvidos como uma amiga e do outro lado o mundo grita que somos especiais e merecemos o melhor.
ResponderExcluirMas a autocomiseracao não nos ajuda, pelo contrário, ela nos afunda num mar de raiva e amargura com tudo e todos e não nos permite ver a bondade do Senhor em nossas vidas.
Que benção !! Deus falou muito comigo ,Deus abençoe minhas irmãs!
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