Enquanto o inverno durar


Durante meses, observei uma árvore completamente sem folhas em uma rua próxima ao meu bairro. Não sei de que tipo ela é, mas com certeza não possui frutos. Trata-se de uma árvore de grande porte, repleta de galhos vazios em sua copa.  Pouco tempo depois que o inverno chegou, suas folhas verdes apareceram e continuam cobrindo os muitos galhos secos.  Acompanhar essa mudança de imagem me fez pensar em várias coisas, principalmente sobre as mudanças a que estamos sujeitas com tanta frequência: mudanças internas, externas, mudanças que ocorrem em tudo ao nosso redor e nos afetam. Assim como o passar das estações muda a copa das árvores, nós também somos transformadas à medida que passamos pelas “estações da vida”.

 

O inverno chega para todos de diferentes formas e em momentos distintos ao redor do mundo. No hemisfério norte e no hemisfério sul, perto da linha do equador e distante da linha do equador, nada é igual. Se você está em uma zona tropical, conhece de forma amena os efeitos dessa estação. Em contrapartida, há regiões em que o inverno é mais vigoroso, em outros lugares parece que nunca acaba.

 

Na ficção, existe um lugar que passou vários anos “preso” no inverno. Se você já leu as crônicas de Nárnia, sabe do que estou falando.  A feiticeira branca, com seu coração perverso, faz do reino de Nárnia um eterno inverno: tudo sempre é frio e há gelo por toda parte. As flores não desabrocham, os rios não correm, os narnianos se recolhem à espera daquele que finalmente fará o inverno morrer. É importante observarmos que o problema de Nárnia não é o inverno em si, o problema é que ele nunca passa. Até Aslam aparecer, os verdadeiros narnianos se alegram na esperança de que:

 

“O mal será bem quando Aslam chegar,

Ao seu rugido, a dor fugirá,

Nos seus dentes, o inverno morrerá,

Na sua juba, a flor há de voltar”

 

Antes que você se pergunte porque estou insistindo em falar tanto sobre o inverno, esclareço: em nossa vida, existem momentos que parecem intermináveis invernos. Ainda que o calendário marque outra estação, sentimos frio todos os dias e a luz vai embora cedo. As flores não desabrocham, nos sentimos distante de todos. Mesmo que a paisagem ao redor se mostre exuberante, interiormente tudo não passa de um borrão cinza.

 

Embora pareça longo, assim como começou, o inverno sempre acaba, o que também acontece com as outras estações. Intrinsecamente, o associamos a um período difícil e, de certa forma ruim, mesmo assim ele nos ensina lições que dificilmente aprenderíamos se existisse apenas primavera.

 

 Se você está no hemisfério sul, como eu, estamos desde junho no inverno. Se em seu interior você também tem vivido dias invernais, lembre-se que eles não durarão para sempre, mas enquanto durar, faço um convite para que você aprecie as poucas cores: talvez o verde de uma copa de árvore, um cinza acolá, um tom branco neblina para variar...

 

Sobre os nossos dias nublados, uma moça sabiamente canta:


[...] tem coisa na vida da gente que só se entende

Quando o tempo fecha

Tem poema que mora escondido no choro contido

[...]

Deixa, deixa vir o dia cinza

Dentre versos de neblina

[...]

As poucas cores no céu

Vão te lembrar o que importa

Nas rugas do teu rosto

A beleza da alma

Bem mais do que se vê

É ter nas mãos um jeito de seguir em paz

E logo mais toda melancolia

Se vestir de glória ²

[...]

 

Bom, essa breve conversa me lembra o salmista, que declara:


“Tanto o dia como a noite pertencem a ti; criaste a luz das estrelas e o sol.

Determinaste os limites da terra e fizeste o verão e o inverno.” (Salmos 74:16, 17)

 

Deus criou estações diferentes. Elas influenciam a fauna, a flora e também nos influenciam. Interiormente, as estações também mudam. Nunca e sempre são palavras que não cabem no homem, há com frequência variação iminente, que não afeta aquele que é perfeição: o mesmo ontem, hoje e eternamente.

 

Oro para que o Senhor nos ensine a viver em cada momento que Ele nos proporcionar, sendo nutridas e ensinadas da maneira que lhe apraz. Nossos dias ensolarados, floridos, secos, gelados ou monocromáticos, que todos sejam vividos com Ele e para a glória dEle. Guardemos a nossa alegria e esperança em um Deus que permanece conosco em todo o tempo, em quem “não há mudança nem sombra de variação.” (Tiago 1.17)


 Juliany Correia

______________________

¹LEWIS. C. S. O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. In.: As crônicas de Nárnia. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

²Disponível em: https://www.letras.mus.br/lorena-chaves/monocromia/


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