Você não pode, admita!
Nos últimos meses tenho ouvido as
pessoas falarem que as coisas saíram do nosso controle por causa da pandemia.
“As coisas saíram do nosso controle”? Como assim? Elas nunca estiveram! Mas
quando os dias passam e os nossos desejos estão prosperando, ficamos com a
falsa sensação de que estamos no controle, a verdade, no entanto, é que não
estamos. Um acontecimento depende da combinação de miríades de fatores externos
dos quais não temos nenhum poder para dominar e precisamos admitir isso
reconhecendo nossa fraqueza diante do sofrimento e do mal, bem como a
fragilidade da nossa confiança em Deus, especialmente quando somos assediados
por tantas notícias ruins. Sem esse reconhecimento, nosso coração nunca terá
descanso.
Uma vez, alguns dos discípulos do
Senhor tentaram expulsar o demônio de um menino cuja ação era bastante
violenta, pois o espírito maligno o atirava na água e no fogo tentando
destruí-lo, além de deixar-lhe mudo e surdo e causar-lhe convulsões (Marcos
9.14-29). O Senhor estava em um monte com Pedro, Tiago e João onde ocorreu “A
transfiguração” (Marcos 9.2-8). Ao descer do monte, havia uma multidão e os
escribas discutiam com os discípulos que estavam ali.
Um homem havia trazido seu filho que
padecia de possessão demoníaca e pediu para aqueles discípulos o expulsarem,
mas eles não conseguiram, pois mais tarde Jesus explicou que era necessário
oração (1). Os escribas estavam presentes fazendo o que sabiam fazer de
melhor, criticar, enquanto o pai desolado grita pedindo socorro ao Senhor. A
confusão estava instalada.
De um lado, os discípulos
frustrados porque não perceberam que para lidar com o mal precisam de poder
sobrenatural e, portanto, deviam ir a Deus em oração. Do outro lado, as críticas
ácidas dos professores da lei, por todos os lados, olhos curiosos para saber no
que ia dar tudo aquilo e, no meio de tudo isso, um homem clama por ajuda com um
discernimento singular de sua própria condição. De todos ali, ele foi o único a
admitir impotência para lidar com o mal e o sofrimento.
Ele deve ter ouvido falar do
rabino de Nazaré que curava, expulsava demônios e até ressuscitava os mortos.
Ele viu alguma esperança, então o procura com seu filho possesso. O que ele
encontrou, a princípio, foi alguns dos seus seguidores, aqueles que estavam
sempre com Ele. Mas eles não conseguiram ajudá-lo, então quando Jesus desce do
monte e fala com o homem, ele diz:
“... se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos” (Marcos 9.22b)
E Jesus replica:
“Se podes? Tudo é possível ao que crê” (Marcos 9.23)
Veja, o homem está perguntando
pela capacidade de Jesus, e Jesus está perguntando pela confiança do homem. O
homem está dizendo: “Se você tiver poder, liberta o meu filho”. E Jesus está
dizendo: “Se você tiver fé, eu o liberto”. Então, em seguida, o pai do menino
diz algo impressionante, algo que nos parece confuso, mas que ao mesmo tempo
nos faz tão parecidas com aquele homem aflito:
“Imediatamente o pai do menino exclamou: Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé.” (Marcos 9.24)
Como assim, ele crê e, ao mesmo
tempo, pede ajuda por sua falta de fé? O que o homem está dizendo é o que todos
nós sabemos por experiência. Ele diz que acredita, mas ao mesmo tempo está
sendo inundado por muitas dúvidas, ele está tentando, mas se vê fraco para
administrar todos os seus medos. Então, ele faz o que somente a fé verdadeira
pode fazer: vai a Cristo com toda a sua fraqueza e pede ajuda. Porque ir a
Cristo é ter fé! Spurgeon escreveu:
“Fé é acreditar que Cristo é quem Ele diz ser, e que fará o que prometeu fazer, e então, esperar isso d’Ele” (2)
Em suas primeiras palavras, o
homem demonstra falta de fé (“se tu podes”), mas o Senhor, com suas palavras
(“tudo é possível ao crê”) coloca fé no coração dele, e ele começa a
exercitá-la (“eu creio!), ainda que timidamente (“me ajuda!”). Pedir ajuda a
Cristo é reconhecer que não podemos nos ajudar, que somos fracos, mas Ele é
forte e socorro bem presente para nós, é tirar a confiança de si e colocar
n’Ele. A fé daquele homem não impressiona como a da mulher sírio-fenícia
(Mateus 15.21-28) ou do centurião de Cafarnaum (Lucas 7.1-10), mas ainda assim
era fé e seu filho foi liberto. Sejamos francas, em tantos momentos nossa fé
parece muito mais com a deste homem do que com a de outros personagens bíblicos
com expressões admiráveis de confiança em Deus.
Nós temos medo de admitir quando
nossa fé está fraca, que há situações em que nós realmente duvidamos, é como se
a fé fosse algo que dependesse inteiramente de nós, então não pedimos a Deus
ajuda para crer, mas repetimos que cremos como se fosse um mantra que vai
esvaziar o nosso coração de toda a insegurança. Quando, na verdade, nesses
momentos de fragilidade consciente, tudo o que precisamos é confessar e pedir
ajuda a nosso Senhor em oração:
Senhor, eu sei que és Poderoso e
Bondoso. Eu sei que estás cuidando de mim, mas nesse momento o que eu sei não é
o mesmo que eu sinto, meu coração está sendo atacado por tantas dúvidas, ajude-me
a confiar em Ti com tudo o que eu sou.
Admita que você é fraca, que você
não pode, e depois exclame: Ajuda-me, Senhor!
O Senhor Jesus sempre receberá
aqueles que vão a Ele conscientes de sua fragilidade e suplicam sua
misericórdia.
Sonaly Soares Brito
___________
(1) A palavra [jejum] não
consta em manuscritos importantes. Muitos manuscritologistas entendem que ela
foi adicionada a partir do Codex Sinaiticus (um manuscrito datado do século
IV). Por isso, em várias traduções a palavra aparece entre colchetes para
indicar que não há unanimidade se o termo fazia parte da forma original do
texto.
(2) Charle Haddon Spurgeon - All of Grace.
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