“Em paz me deitarei e dormirei”


Deus nos fez à sua imagem e semelhança, mas ele é diferente de nós. Seus atributos incomunicáveis contrastam a grandeza dEle e nossas limitações. Conforme afirma Jen Wilkin¹:

 

“Ter tal imagem significa tornamo-nos completamente humanos, e não nos tornarmos divinos. Isso significa refletir, como seres limitados que somos, as perfeições do Deus ilimitado. Nossos limites nos ensinam o temor do Senhor. Eles são lembretes para evitar que creiamos, falsamente, que podemos ser como Deus”.

 

Uma das inúmeras limitações que possuímos se expressa em nossa necessidade de dormir. Tal limitação também é uma expressão da graça de Deus para conosco. Muitas vezes, não notamos ou valorizamos coisas simples, mas que são tão significativas em nosso cotidiano, uma dessas coisas é o sono. Imagine o que seria de nós sem esse tempo para “recarregar a bateria”? As pesquisas e profissionais especializados estão aí para dizer... Entretanto, por diversos motivos, temos a tendência de negligenciar esse benefício concedido pelo Senhor.

 

Isso me faz recordar que em períodos específicos do meu pós 18 anos, precisei me adaptar a uma rotina de poucas horas de sono. No fim de cada dia, eu pensava pouco se aquilo era saudável ou não, mas, no momento, era o que tinha que ser feito, apesar das consequências a curto e longo prazo. Quando pensava sobre, geralmente tinha pensamentos como: “eu sou jovem, consigo e tenho que passar por isso” ou “é bom ter uma rotina tão completa (pra não dizer exaustiva), eu tenho que ser útil e dar conta do que preciso”. O que quero mostrar é: temos uma facilidade em naturalizar o que desafia e extrapola nossos limites, temos uma facilidade para romantizar a exaustão contínua se esta for o caminho para o que entendemos como progresso ou sucesso. E fazemos isso porque, no fundo, nosso desejo é sermos ilimitados.

 

Não pretendo me deter aqui aos malefícios das noites mal dormidas, dizer quantas horas de sono e descanso você deveria ter e muito menos para julgar sua rotina diária. Almejo, principalmente, que você entenda essa necessidade como expressão de sua limitação e como um presente de Deus. Tendo esse entendimento sobre algo que parece tão banal, seremos melhores mordomos daquilo que recebemos do Pai.

 

Assim, convido você a ler o Salmo 121, nele, o salmista se refere ao Senhor como guarda fiel, aquele que nos socorre e protege. Especialmente nos versículos 3 e 4 lemos algo que parece óbvio: Deus não dorme. Esse é um dos textos que apontam para a ilimitação do Senhor, exaltado como protetor supremo do seu povo.

 

Ele não deixará que você tropece; aquele que o protege não cochilará. Aquele que guarda Israel não cochila nem dorme. (Salmos 121:3-4)



Deus não precisa se recompor, não é assaltado pelo sono. Mas nós dormimos, e o próprio Deus nos dá princípios relacionados à necessidade do descanso. O sono é um lembrete contínuo de que somos vulneráveis. Gosto da maneira como Tish H. Warren aborda isso em seu livro “Liturgia do ordinário”, ela destaca que os nossos hábitos de sono dizem muito sobre os nossos amores, confianças e limites. Pense: você sacrifica seu sono sob que circunstância? Uma noite de estudos? Madrugadas em claro com o bebê? Horas e horas de entretenimento? Trabalho? Como a própria Tish coloca, essa disposição revela amores nobres e “menos nobres”.

 

Na cultura de ativismo e produtividade em que vivemos, falar sobre sono talvez seja irrelevante, quem se importa? Deus se importa. Estamos tão imersos e focados em sermos úteis, produtivos e ativos, que dormir o suficiente pode ser motivo de culpa para alguns. Obviamente, há períodos e situações específicas em que precisamos abdicar de algumas horas de sono, mas idealizar ou até mesmo romantizar uma “rotina do cansaço” não me parece uma boa administração do tempo que Deus nos deu.

 

Além de prejuízos na esfera biológica, nossa vida espiritual também é afetada quando vivemos em constante exaustão, veja como a autora que mencionei fala disso:

 

“Deus quer nos dar não só vidas de santidade e oração, mas também de descanso suficiente. E talvez um passo chave para uma vida de oração e santidade é simplesmente receber a dádiva de uma boa noite de sono. [...] No fim de todos os dias, deitamos nas nossas camas. Mesmo o mais ordinário dos dias nos moldou, imperceptivelmente, mas verdadeiramente. Por uma graça que não podemos controlar, nós caímos no sono. Nós descansamos. Nossos músculos relaxam. Nosso queixo folga. Estamos expostos e fracos. Nós caímos na inconsciência. Mas ainda somos segurados. Nosso Vigia e Guia nos chama de “amados”, e ele dá sono aos seus amados.” ²

 

Por mais ocupado e atarefado que você seja, você não pode resistir ao sono, ainda que por poucas horas. Ele traz à tona constantemente nossa limitação, vulnerabilidade, mortalidade e, ao mesmo tempo, aponta para alguém maior que nós, que zela e protege a nossa vida, que trabalha enquanto trabalhamos e trabalha enquanto dormimos. Não desperdice, ignore ou faça pouco caso de suas horas de sono, antes, pense nesses momentos como uma expressão da graça de Deus sobre sua vida e administre com sabedoria o bem que Ele te concedeu. Que ao fim da jornada de cada dia possamos dizer com confiança:

 

Em paz me deitarei e dormirei, pois somente tu, Senhor, me guardas em segurança.
Salmos 4:8

 

 

Juliany Correia

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¹ WILKIN, Jen. Incomparável: 10 maneiras em que Deus é diferente de nós (e por que isso é algo bom). São José dos Campos, SP: Fiel, 2017.

²WARREN, Tish H. Liturgia do ordinário: práticas sagradas na vida cotidiana. Ebook disponível em The Pilgrim App

 

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