Sobre o verdadeiro evangelho: não por obras, não por nós, mas pela graça
Nestes últimos dias
tenho pensado um pouco sobre a justificação, uma doutrina sobremodo excelente,
cujos efeitos repercutem em nossas vidas de maneira gloriosa através da graça
de Deus manifesta em seu filho Jesus. Mas, o que seria a justificação? Eis algumas
de suas definições:
Justificação é um ato instantâneo da parte de Deus pelo qual ele considera os nossos pecados perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a nós e declara-nos justos à vista dele. (Wayne Grudem)¹
Justificação é um ato da livre graça de Deus para com os pecadores, no qual Ele os perdoa, aceita e considera justas as suas pessoas diante dEle, não por qualquer coisa neles operada, nem por eles feita, mas unicamente pela perfeita obediência e plena satisfação de Cristo, a eles imputada por Deus e recebidas só pela fé. (Catecismo de Westminster)²
Imagine que você tem
uma dívida enorme que mesmo se vendesse todos os seus bens e desse todos os
seus rendimentos financeiros, ainda não conseguiria quitá-la. Tamanho seria o
seu desespero por considerar uma dívida impossível de ser excluída de sua vida.
Todavia, imagine também que o seu credor fosse alguém muito rico e muito
bondoso, que decidindo usar de misericórdia, resolvesse pagar toda a sua
dívida. O sentimento que te restaria seria de profunda gratidão e alívio. Você
iria então para o banco consultar seu extrato bancário que antes estava
negativo, mas em choque se depara com um valor exorbitante que foi depositado
pelo seu credor rico e bondoso. Agora, nem um saldo negativo, nem um saldo
neutro, um saldo positivo. Quanta alegria seria, não é mesmo?
Essa é uma
ilustração simplória para tentar esclarecer um pouco do que aconteceu conosco.
Tínhamos uma dívida tão enorme que não conseguiríamos quitar de maneira alguma,
não com homens, mas com o próprio Deus, por causa de nossos delitos e pecados.
Estávamos caminhando rumo à condenação, sem esperança, sem perspectiva alguma
de salvação. Todavia, o Senhor sendo gracioso e benevolente conosco, resolveu
pagar o preço pelos nossos pecados ao sacrificar o seu filho Jesus como resgate
pelas nossas vidas. Nós, que antes éramos inimigos de Deus, não fomos apenas
perdoados por todas as nossas transgressões, mas considerados justos, pois a
justiça de Cristo foi creditada em nossa conta e imputada em nossas vidas. Isso
não é sobremodo glorioso? Foi pela graça! Com um alto preço de sangue! E por
amor!
No contexto bíblico,
o termo justificação é um termo legal, extraído do âmbito judicial.
Justificação é uma declaração jurídica de Deus. Como Wayne Grudem comenta, Deus
não torna o ímpio justo, em vez disso, “Ele declara que os ímpios são justos em
seus olhos, não com base em suas boas obras, mas em resposta a sua fé.”¹ Como o
apóstolo Paulo afirma, somos salvos pela graça.
Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos. Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. (Ef 2:1-2, 4-5, 8-9)
“Não por obras, para
que ninguém se glorie.” Tenho refletido no quanto falhamos em compreender o que
está exposto aqui. Nossa tendência humana é associar suficiência àquilo que
fazemos, às nossas obras. É por isso que acreditar que Deus nos aceita não por
causa dos nossos méritos se torna tão mais complicado. Não foi aquilo que
fizemos, foi a graça! Não foi a nossa bondade, inteligência, esforço, beleza ou
qualquer outro aparato humano que nos salvou. Foi Cristo. O cristianismo neste
aspecto se difere de todas as demais religiões, por crer que o homem é aceito
por Deus e não pela sua justiça, mas pela justiça de outra Pessoa.
Este era o problema
do farisaísmo: supor que pelo estudo e prática minuciosa da lei, o homem
poderia alcançar o favor de Deus e a salvação. Porém, os fariseus foram
duramente criticados por Jesus (Mt 23), pois expunham marcas de santidade e
justiça, mas rejeitavam o essencial que era a fé e o arrependimento no Senhor.
Muitas vezes olhamos
com um olhar de reprovação para os fariseus hipócritas, sendo que existem ainda
faíscas de farisaísmo em nossos corações hoje. Todas as vezes que nos sentimos
melhores do que alguém pelas coisas que fazemos, pensamos ou falamos, ou quando
julgamos ser mais santos do que determinadas pessoas que estão longe da igreja,
ou quando imaginamos que merecemos que Deus ouça as nossas orações e nos
conceda as nossas petições, por sermos filhos que se esforçam para agradá-Lo.
Esquecemo-nos da parábola do fariseu e do publicano (Lc 18:9-14), do filho
pródigo (Lc 15:11-32), da grande ceia (Lc 14:15-23) e de tantos outros ensinos
do nosso Mestre, que nos revelam claramente que o sentimento que precisamos ter
é de humildade, e essa humildade é gerada através do entendimento correto do
evangelho. Não somos bons à nossa maneira, se não fosse a misericórdia de Deus
estaríamos perdidos em nossos pecados e distantes da graça. Todos nós
precisamos de misericórdia, todos os dias.
Outro erro comum de
compreensão do evangelho é o de achar que somos tão pecadores que não podemos
ser salvos, pensamos isso por causa das coisas que fazemos ou deixamos de
fazer, por causa do nosso passado afundado em transgressão, ou mesmo pelas
nossas tentativas fracassadas de agradar a Deus. Contudo, a graça de Deus é
poderosa para salvar o mais vil pecador e, de semelhante modo, foi ela que nos
alcançou! Não por causa de nós. Perceba que nada é sobre nós. Tudo é graça. O
evangelho é sobre outro Nome (Fp 2:9).
Portanto, não
importa quão distante foi o caminho que você percorreu nesta vida, a graça pode
te alcançar e te trazer de volta ao centro da vontade de Deus. Não existe
pecado que seja tão escuro que não possa ser perdoado pelo sangue do Cordeiro
que tem o poder de nos tornar tão alvos como a neve. Deus nos amou apesar de
nós. Ele nos declara justos à sua vista, pois Ele vê Jesus em nós. Ele nos vê
como filhos amados e regenerados pela sua graça.³
Sendo assim, o que
importa o veredicto das pessoas, quando o Juiz de toda a terra nos declara justos
à Sua vista? Assim como disse o apóstolo Paulo, o que nos importa é agradar a
Deus (Gl 1:10). Quem poderá nos condenar? “Se Deus é por nós, quem será contra
nós?” “Quem nos separará do amor de Deus?” (Rm 8:1, 31-39).
Compreender
corretamente o evangelho nos livra do sentimento de superioridade e farisaísmo,
de acharmos que merecemos a salvação por causa de nossas obras. Tal
entendimento também nos livra do sentimento de inferioridade que nos coloca num
estado deplorável de não aceitação do favor de Deus por causa de nossas obras.
Por fim, gostaria de
trazer mais um esclarecimento. Mesmo sendo salvos, vez ou outra iremos nos
deparar com pecados que não desejaríamos cometer. O próprio apóstolo dos
gentios afirma que muitas vezes ele fazia o mal que não queria, e o bem que ele
queria, este não fazia (Rm 7:14-25). O fato de sermos justificados não nos
torna santos, no sentido de sem pecados. Enquanto estivermos nesta carne
mortal, continuaremos guerreando contra a nossa velha natureza, até o dia em
que estaremos finalmente libertos da presença do pecado. Até lá, estamos em um
processo chamado santificação.
Muitos cristãos
falham por se acharem tão indignos de Deus que se distanciam da igreja por
causa de seus pecados. De fato, indignos todos nós somos. Mas a graça de Deus
se torna manifesta não apenas para a nossa salvação, mas em toda a nossa vida.
Com isso, não estou querendo justificar os nossos pecados, nem muito menos
afirmar que eles não trazem consequências, visto que Deus continua sendo o
Justo Juiz de nossas almas; mas gostaria de olhar por outro lado, abordando
outra perspectiva, para aqueles que caminham sem esperança por estarem com
dificuldades de abandonar algum pecado em sua vida. Ei, existe graça de Deus
para você hoje. Ei, Cristo te amou apesar de você, não pelas suas obras, e Ele
tem perdão disponível para sua vida. Arrependa-se dos seus pecados, confesse-os
todos para seu Sumo sacerdote (Hb 4:14-16), se necessário, busque ajuda
pastoral e auxílio dos irmãos em Cristo, mas continue na luta contra o pecado,
não desista, existe perdão e vitória no nome de Jesus Cristo (Rm 7:24-25). O
capitão de nossa salvação suportou a ira de Deus, enfrentou a morte e venceu
para nos mostrar que existe vitória Nele!
Por quê? Porque Ele
nos ama. Simplesmente, essa é a razão. Temos o pensamento equivocado de
acharmos que Deus não vê tudo o que somos ou que de alguma maneira poderia ter
desistido de ir à cruz se tivesse visto o que seríamos hoje. Deus sabia que
você iria falhar. Ele sabia que você iria tropeçar. Ele também sabe que você
vai cometer muitos erros. E é sobre isso que se trata a cruz, de te mostrar
quão grave é o seu pecado, e também quão grande é o amor de Deus pela sua
vida.²
Concluo com essa
frase de Wayne Grudem: “A correta compreensão da justificação é absolutamente
essencial para toda a fé cristã.”¹
Que o Senhor a cada
dia amadureça a nossa fé e sempre nos dê o entendimento correto acerca do
evangelho e da salvação. Não por obras, não por nós - pela graça.
Thayse Fernandes
¹ GRUDEM, Wayne.
Teologia sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova.
² Pensamento
extraído do prefácio de Matt Chandler em “How He Loves Us” no vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=rEABg80K1Ik.
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