[Série: Mães desconhecidas da Bíblia] - A mulher cananeia: sobre o clamor de uma mãe em aflição

 


Maternidade. Uma palavra difícil de traduzir, mas rica em seu significado. Talvez você que está lendo esse texto já tenha passado por esta experiência, ou talvez esteja vivenciando ela hoje. Ser mãe é ser abrigo, proteção e amparo. Ser mãe é abnegação, amor e zelo. Ser mãe é carregar em seu próprio ventre a semente da próxima geração. É dedicar seus dias, noites e madrugadas para o bem de quem tanto ama e de quem tanto quer bem, mesmo que não estejamos “pra lá de essas coisas”.

 

Tenho refletido na bênção que é ser mãe e na bênção que é ter uma mãe - alguém com quem podemos contar em qualquer situação e que nos ama incondicionalmente. A Bíblia relata o exemplo de várias mães, algumas mais conhecidas, outras mais no anonimato, todavia, acredito que todas elas tiveram seu papel e significância no processo da criação de seus filhos.

 

No texto do evangelho de Mateus 15:21-28, vemos o relato de uma filha endemoninhada, cujos espíritos imundos a aprisionavam e a deixavam imersa em dor, aflição e desespero. Já que ela não tinha qualquer condição de resolver o seu problema, sua mãe, que também sentia profundamente a sua dor, foi em busca de socorro. O texto não nos esclarece sobre há quanto tempo ela sofria desse mal, nem sobre quantas tentativas de ajuda já haviam sido buscadas, só que ela estava possessa e que sua mãe foi até Jesus.

 

Esta mãe citada na referência como a mulher cananeia ou a mulher siro-fenícia é uma das mães desconhecidas da Bíblia, pois não sabemos o seu nome, profissão ou outras situações particulares de sua vida, só a região onde ela morava e a circunstância que estava enfrentando no momento. Mateus ressalta sua proveniência, as cercanias de Tiro e Sidom, pelo que entendemos que ela era uma gentia e não pertencia à linhagem judaica. Até a região em que ela morava era tida por impura pelos judeus, visto que estes associavam pureza moral à exclusividade religiosa e não podiam ter contato com nada que pudesse maculá-los, isso incluía gentios, terras gentias, cadáveres, certos tipos de animais, dentre outros.

 

Sendo assim, qualquer contato de Jesus e seus discípulos com a mulher siro-fenícia os tornariam impuros, e o simples fato de pisarem nas terras gentias também os macularia. Além de toda essa barreira religiosa e tradicional por parte dos judeus, ela era uma mulher, num contexto onde mulheres, infelizmente, não tinham valor na esfera cultural. Mulheres não podiam nem falar com homens publicamente, quanto mais dirigir palavra ao Mestre! Todavia, essa mulher mostrou a todos o que uma mãe é capaz de fazer pelos seus filhos, vencendo o medo, a vergonha, opiniões alheias, tradição, críticas, dentre tantas outras coisas.

 

Não consigo imaginar o tamanho da aflição daquela mãe ao ver sua filha escravizada por demônios e não poder fazer nada. Contudo, ela ouvira falar de que havia alguém que estava não apenas libertando possessos, mas também fazendo cegos enxergarem, surdos ouvirem, paralíticos andarem, mortos reviverem. O conhecimento desses fatos trouxe esperança ao seu coração perturbado e aflito, que não hesitou em buscar a Jesus com todas as suas forças e motivação, não importando o que viesse pelo caminho.

 

Ela gritou com todo o ar de seus pulmões: “Senhor, Filho de Davi, tenha misericórdia de mim! Minha filha está possuída por um demônio que a atormenta terrivelmente”. (Mt 15:22). Ela se dirige a Jesus como o Messias e suplica pela sua misericórdia. A sua dor a conduziu até Ele, o seu problema a fez buscar o Senhor e, ao vê-lo, não desperdiçou a oportunidade e gritou incessantemente por socorro em meio à sua aflição. Percebemos que ela se apresentou como uma pecadora necessitada e convicta de que o Messias poderia socorrê-la.

 

Os discípulos ficaram incomodados com os gritos dessa mulher e pediram que Jesus a despedisse, visto que ela os seguia e ele permanecia em silêncio, até que Jesus responde-a que foi enviado às “ovelhas perdidas de Israel’, o que significa que sua missão era de prioritariamente resgatar os judeus. Em vez de murmurar contra Ele, ou de desistir e ir para casa, ela o adora e persevera em clamar por socorro. Aquela mulher perseverou em meio à sua dor, e o mais chocante é a sua resposta à metáfora que Jesus traz, afirmando que os gentios também podem ser beneficiados com a graça de Deus dada aos judeus, assim como os cachorrinhos domésticos¹ se alimentam das sobras da comida do seu senhor.

 

Com isso, quero esclarecer que o silêncio de Jesus não era sinônimo de desprezo ou descaso, pelo contrário, Ele estava dando oportunidade para que a fé dela fosse enaltecida diante de todos, e mesmo com sua resposta aparentemente rude, ela pôde expressar sua humildade e perseverança.

 

Ele queria dar à fé da mulher uma oportunidade de uma expressão muito mais gloriosa. Ele almejava fortalecê-la por meio da mesma resposta que lhe dera nos versículos 24 e 26; porque agora ela poderia começar a compreender, muito melhor, do que se ele houvesse curado imediatamente sua filha, que bênção extraordinária estava recebendo.²

 

Jesus elogia sua fé e exclama: “Mulher, que grande fé você tem! Que seja feito como você quer” (V.28). É claro que o Senhor a conhecia e conseguia enxergar a fé grande que ela tinha em seu coração, sem que fosse necessário que ela dissesse uma só palavra, mas foram as circunstâncias que permitiram trazer à tona isso, para os discípulos, para as pessoas à sua volta e para ela mesma. Talvez nem ela soubesse o quanto era forte e que possuía tanta fé! Através das adversidades, sua fé pôde ser purificada, tal como o ouro queimado pelo fogo de onde se extrai o que há de mais puro e belo.

 

Uma situação semelhante a essa foi a do centurião de Cafarnaum, na qual Jesus também exclama sobre uma grande fé e cura no mesmo instante o servo que estava enfermo (Mt 8:5-13). Perceba que nas duas situações em que Jesus fala de grande fé e onde vemos cura instantânea com apenas uma palavra de longe, ele trata com gentios. Porque o Senhor não despreza o que se achega a Ele, não importando se fossem desprezados por todo o resto. Ele se comove, alegra-se e opera na fé de quem confia Nele, independente de quem seja.

 

Diante do exposto, gostaria de trazer algumas aplicações. A primeira é sobre o quanto estamos sujeitas a passar por situações de sofrimento. Todas estamos vulneráveis e, diante das adversidades, precisamos reagir de uma maneira que glorifique ao Senhor, de forma que a nossa dor nos leve para mais perto Dele. Você pode reagir com murmuração, estando descontente com sua vida e distante de Deus, ou você pode reagir com a confiança de que mesmo sofrendo hoje, existe esperança Nele. Nada está perdido quando se tem o Messias em sua vida. Ele se importa com você, mãe. Ele não está distante de sua aflição. Invoque-O e você perceberá que Ele está mais acessível do que você mesma imaginava!

 

A segunda aplicação é sobre a perseverança e a fé. A mulher cananeia tinha vários motivos para ir embora, mas decidiu ficar porque tinha um alvo, a cura de sua amada filha, e ela continuou clamando, continuou buscando Jesus. Isso nos traz um “tapa na cara”, visto que temos tantas regalias e conhecimento bíblico, temos o próprio Jesus exposto numa cruz revelando o seu amor para conosco todos os dias, temos a graça da nova aliança, onde não importa se somos judeus ou gentios, se ricos ou pobres, se homem ou mulher, todos podemos ser alcançados pela graça. Essa mulher não tinha acesso a todas essas informações, mas com o pouco que tinha, creu e perseverou no Senhor. Será que temos perseverado ou temos desistido com facilidade? Que não sejam as circunstâncias que definam o quanto você crê, mas que você creia apesar das circunstâncias.

 

A terceira aplicação é sobre uma mãe que não desiste de seus filhos. Essa mãe cananeia lutou com todas as suas forças pelo bem de sua filha e conseguiu a cura. Ela não mediu esforços, foi até Jesus e não desistiu. Nesse momento, eu posso até imaginar as situações difíceis a que as mães se submetem por causa dos seus filhos, mas não conseguirei entender a profunda dor que isso pode estar envolvendo você agora. Eu não sei qual a sua realidade hoje, mas queria mesmo assim te encorajar a continuar lutando pelos seus filhos. Não desista deles, continue orando, ensinando, corrigindo, amando. Continue acreditando com esperança que eles podem ser curados e mudados pelo poder do Senhor. E busque isso, mesmo que venham os tropeços no meio do caminho, que eles sirvam pra te tornar mais forte e para te levar mais longe, mas não desista do seu filho.

 

A quarta aplicação é sobre não se revoltar contra o Senhor diante dos aparentes descasos Dele. “Por trás de uma providência carracunda, Ele oculta uma face sorridente.”³ O que não significa que teremos todas as respostas para os enigmas de nossa realidade humana, mas que confiamos Nele mesmo quando não temos todas elas. Confiamos no que sua Palavra diz, que Ele é sábio (Jó 12:13, Is 40:28, Rm 11:33-36, Tg 3:17), amoroso (Sl 136:2, Rm 5:8, 8:38-39, I Jo 4:9-11), Pai (Sl 103:13, Pv 3:11-12, Mt 6:26, I Jo 3:1), perfeito (Dt 32:4, Sl 18:30, Mt 5:48), soberano (Jó 42:2, Sl 135:5, Is 45:7-9, Cl 1:16-17), etc. O que deve nos mover não são as circunstâncias, mas sim a nossa fé, que é provada e amadurecida no meio delas. Até o silêncio do Senhor é pedagógico, com o qual ele nos ensina lições preciosas e nos faz glorificar o seu nome.

 

A última aplicação é sobre o poder do Senhor em fazer coisas inimagináveis às nossas mentes. Basta apenas uma palavra e tudo muda. Basta apenas uma ordem e tudo lhe obedece. Seja na doença, na dificuldade financeira, no desemprego, na dor de ver um filho perdido, simplesmente creia que se for da vontade Dele, tudo pode mudar em sua vida. Creia Nele. Confie Nele. Descansa Nele.

 

Encerro com uma verdade preciosa: a história da mulher cananéia não é sobre uma grande mãe somente, mas sobre um grande Deus que age no meio de nós. Tudo o que existe é por Ele, por meio Dele e para Ele, inclusive a maternidade. Mãe, entenda que no final de tudo não é o seu nome que realmente importa. Não importa se você hoje é uma celebridade ou se é uma desconhecida - Ele te vê, Ele te conhece e Ele age em você e através de você, em sua realidade. Isso basta. Desconhecida, mas conhecida por quem realmente importa. Talvez desprezada por alguns, mas apreciada pelo Senhor do Universo. Quem sabe esquecida por muitos, mas amada pelo Messias. Do que mais precisamos? Mães que alcançaram a graça do Deus Eterno, descansem Nele!

 

Thayse Fernandes

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¹ O termo no original se refere à "cachorrinho de estimação”, não aos vira-latas.

² HENDRIKSEN, William. Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, Vol 2.

³ Poema: Deus se move de forma misteriosa, de William Cowper.

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